Salve, esperança!
você voltou irrequieta, saltitante,
Quando eu não tinha mais crença.
Vivia a dor resignada que toda saudade traz
Salve, felicidade!
Você ainda não voltou
Está distante, hesitante,
Mas quero-o de verdade
E sei que chegará o instante
Em que você enfim, substituirá essa dor
Salve, coração!
Você também se faz presente
Nesse momento marcante,
Saboreando intensamente a emoção
Que toda minha alma sente
Sua atitude chega a ser sufocante
Salve, amor!
Você é o verdadeiro herói.
Bravo guerreiro, vencendo tempestades
E mesmo se queixando que dói,
Não abandonou a guerra.
Mesmo sabendo tudo perdido
Não quis deixar de lutar
Ganhando mais uma batalha
Em prol da felicidade.
Salve, vida!
Pródiga e dolorida.
Volta afinal, com força e decidida
A curar minha ferida
E tirar os meus sonhos desse horrível lamaçal.

Graça Teixeira 


Desperta,
é o beijo do sol que chama.
É a manhã lá fora que canta,
veja o sol  lá fora a brilhar,
com a luz que rouba do teu olhar.

Levanta,vem vamos brincar!
Sob esses raios que nos aquecem,
conforto e aconchego brotam dos teus braços a me envolver,
do teu sorriso a me enfeitiçar.

Mas...

Eu que sou criatura soturna,
o céu;as coisas tão claras me noturnam.
O sol me cega,regresso então à escuridão.
Sem medo,
pois o escuro sou eu,
o negror é o que conheço,
as Trevas com louvor saúdo,Oh noite
três vezes majestosa.

Na claridão,
vão-se as ilusões.
Tudo posso ver,
estas velhas cicatrizes só a Lua pode esconder,
e na luz pálida dos lampiões,a sombra vai florescer.
Somente em teus devaneios posso me resguardar,
para um dia sob tu meu Sol,poder das quimeras
despertar.

                                Ana Ferreira



Roubaram minha glória
Roubaram minha jurisdição
Roubaram minha prudência
Roubaram minha métrica.

Minhas alegrias e tristezas
Meu cansaço e meu ópio
Minha dança, meu coração
 Minhas rimas, meus versos.

Roubaram minha decência
Roubaram meu desamor
Roubaram minha quietude
Roubaram meu compasso.

Meu dialeto estrangeiro
Meu direito ao sofrer
Minhas visões de bruxo
Minhas belas redondilhas.

Roubaram meu bom gosto
Roubaram meu mau gosto
Roubaram minha terra e minha palmeira
Roubaram meu sabiá.

No lugar, deixaram um corpo nú
Que pulsa, que ri, que escarra em mim
Que sente, que tem esperança...
No lugar, deixaram o amor.


 Rosivan dos Santos


Uma faísca cinza cintilante
Brilhando distante
Algo mais que um sussurro
Você ascende o escuro do meu coração

Presos vivemos em círculos
Que mais parecem quadrados
Caímos em riscos, nadamos em vícios
Um ao outro estamos fadados

Queimamos todas as pontes
Ignoramos qualquer possibilidade
Como tocar o horizonte
Quando é tudo ilusão e vaidade

O céu plúmbeo se esboroa lento
De alarde deturpamos a verdade
Petrificamos nossos corações em cimento
Por medo nos tornamos dois covardes






Com sangue ainda nas mãos o médico disse
 Seu marido havia morrido
Que notícia mais triste
Ela esboçou um leve sorriso

No dia anterior
Descobriu seu maior pavor
Ele a traiu com a vizinha
Durante horas ficou a matutar sozinha

Quando ele chegou
Se deparou com ela na cozinha
Ela o chamou:
 -Amor, pensei que não mais vinha!

Ele contou que sentiu falta dela o dia todo
Ela com ternura o beijou na testa
Foi quando tirou uma caixinha do bolso
Brincos de ouro e ela fez grande festa

Durante a madrugada ela levantou
Pegou o machado embaixo da cama
Antes do primeiro golpe ele acordou
-Amor, promete que me ama?

O sangue escorria feito lama
Ao meio ele estava a se abrir
Ela foi até o rio e jogou a arma
E ao lado dele voltou a dormir

No velório com agulhas os pés dele furou
Sem remorso ou coração partido 
Dois anos antes ela também havia o traído
Com a cunhada treze vezes gozou




Te declaro amor eterno
Nem um pedaço ou ao meio
Subindo ao céu ou descendo ao inferno
Meu amor será inteiro

Mesmo quando eu não puder caminhar
Ou o mundo ficar sem cor e feio
E se você para de respirar
Eu não vivo e nem floreio

E se eu de repente cair
Você me puxa antes do baqueio
Mas se eu mesmo assim me ferir
Você enxuga o sangue do meu joelho

Você é minha base, meu rumo, meu freio
É meu algoz é meu amigo
E quando eu não mais me reconhecer diante do espelho
Você a me acalmar, ajudar e ficar junto comigo

E se talvez eu adoecer e perder o cabelo
Só contigo eu consigo
Vencer o pesadelo e acordar em teu seio
Seguro e protegido

Te declaro amor eterno
Da cama ao te odeio
Dou fim ao meu inverno interno
Assim me entrego ao seu enleio



Ao teatro de tragédias eu me submeti
A morte
Meu pescoço na lâmina afiada
Rasgando a carne em profundos cortes
Para sobreviver eu fugi

Um lamaçal de ardume
Sem esperança de voltar
Apagando em negrume
Ceguei o meu olhar

Tuas mãos a me degenerar
O teu silêncio engasgou meus gritos
Como posso sonhar?
Falar do que passou e não mais existo

Mentir e fingir que superei não consigo
Para mim a cortina se fechou
No fim não existe palmas, nem riso
O espetáculo enfim se findou






Como um pêndulo cansado de tanto rodar
Eu paro de dar voltas
Acalmo o meu olhar
Pois, nem quase tudo tem respostas

Como uma criança que da mãe se perde
Me ponho a chorar
Feito peixe morto em lodo verde
Sem mais espaço para nadar

No delicado abismo do não ser
Afogado até o pescoço em desordem
Meus pés em limo a afundar
É lá onde me aqueço e esqueço

Feito Ofélia quando mata o filhote por amor
Como quem acorda de um suicídio em pavor
Desperto do sono e percebo
Eu também mal me conheço


O sol para mim costumava ser quente
Agora tudo que toco é seco e frio
E se eu pudesse faria tudo diferente
Você é o único que pode ocupar o vazio

Meu amor, meu bem, minha flor
Estamos tão assustados
O céu para nós arde em dor
Como esquecer o passado?

Ninguém pode te amar como eu te amo
Na escuridão minhas lágrimas clamam por ti
E já vai fazer um ano
Eu sei que tu pode me ouvir, me sentir

E quem vai poder nos salvar
Deste mundo implacável
Da vergonha, da ausência miserável
Não podemos escapar

Nada vai ser como antes
Mas posso ser bom o bastante
Jamais vamos encontrar conforto
Sem nos apoiar um ao outro



Por tanto tempo eu nadei
Em teus olhos me afoguei
Contra tudo e todos eu lutei
No lugar mais escuro parei e fiquei

Uma implacável força me derrubou
Em queda livre ainda estou
O choque e o medo me paralisou
Sinto que tudo em mim mudou

Como é cruel a espera de quem nunca vem
Menos que se quer é o que se tem
Nenhum toque ou resposta, ninguém
Eu sei que você mudou também

Eu não posso ser de outro alguém

Meu corpo e alma ainda são teus
Príncipe de mim tu esqueceu
E o que me prometeu?
Um absoluto e sinuoso nada aconteceu

E quem sou eu nessa história?
Aquele que perdeu
Sem glória, sem vitória
Sem romeu





Andando sinto a ansiedade
Dos passos de velhos, pobres e ricos
Que se perdem na cidade
E ecoam em meio a edifícios

Há tanto tempo esquecidos à margem
Lutando contra a impossibilidade
O suor que pinga na engrenagem
Mistura  de dor, coragem e vontade

A criança já nasce velha
Não existe espaço para o novo
Qual o preço da matéria?
Quem vai olhar por este povo?

Com o troco de uma passagem
Transeuntes vem e vão
As mãos calejadas de tanta bagagem
Esperam o trem na estação

O percurso se arrasta lento
Os olhos rígidos de tanto esperar
Cansado é o lamento
De quem não tem mais tempo para florear


Meio dia
Cruzeiro das almas, suor, desespero
O manto negro seu semblante escondia
No bolso velas e esqueiro

Raiva, ciganos, navalhas, cigarros
Uma prece manda recados ao desconhecido
De sangue o mármore é lavado
Para alimentar a boca do falecido

Murmúrio, eflúvio putrefato
O hálito faz subir a fumaça
As mãos seguram o retrato
Um último gole de cachaça

Silêncio, esperança e reza
Para os mortos com suplício dança
No chão balança e queima ervas
Em três dias do caixão o corpo levanta



Peregrino do deserto
Minha bússola quebrada
Andando sem um caminho certo
Ouço longínquo os ecos das minhas palavras

Sob a areia um oásis em feixes constantes
Que irradiam vida e borbulham fontes
Grande falange que brotam nascentes
Onde pequenas ninfas desnudam-se defronte

Ilusão...

No emaranhado de dunas
Que se diluem quando chego perto
Joguei ao vento minhas runas
Meu oráculo foi esquecido pelas ruínas de Delfos

Sempre em busca de pirita
Vagante do ermo solitário
A jornada parece ser infinita
Mudo de novo o meu cenário 
















Oh, filha
Imagino se você tivesse nascido aqui
Cabelo cacheado, ao vento
Olhar perdido em relação ao tempo

Eu sei, tu seria negra
Mas viveria feliz?
Não filha
Nem fodendo tu nasceria aqui

Aliás, nem vou mais falar em ti filha
Eu nem tenho filha
Mas já tive um amor
Que pouco me amou

E a cada carinho rejeitado
A cada decepção que sofria
Eu comia um pouco de terra
Até o dia em que me tornei barro

E precisei cruzar o oceano
Para vomitar aqui neste deserto
Todo o barro que em mim havia
Já nem sei mais o que é certo


Vem cá
Senta aqui agora
Embora reconheço que estive um tempo fora
Me deixei ir embotado tentando encontrar uma rota
Pra tentar entender, explicar
E poder sentir o que de fato importa

Mas eu sei que já é hora de voltar
É uma necessidade te falar
Perdoa por ir aquela hora
Entende que se eu te protejo
É do meu desejo
Do perigo que sou

Nem pense que eu não senti saudade
De quando dividíamos o mesmo amor
Eu sei que você sabe
Que eu não fiz por maldade
Também sei que agora pode ser tarde
Provei um pouco do seu pavor

Se você quer me deixar
Compreendo sua vontade
Tenho que aceitar
Se queres mesmo que eu vá, eu vou
Tu tens que saber
De ti não vou desistir ou esquecer

Espero o tempo que for
Para transcendermos a dor
E enfim brotar a flor da verdade
Deixo o vento soprar a vaidade
Para o nosso lamento irradiar liberdade
Não se deve apagar uma chama que ainda viceja calor


Caboclo da mata
Odé rei de ketu
Que minha sina seja farta
Faz forte o meu peito

Senhor da natureza
Okê Arô
Anil e verde representa tua beleza
Oxóssi é grande caçador

A folha da jurema é sagrada
Oxóssi é pai de esperança
Desaprova a matança desregrada
E não há quem possa com o poder de sua lança

Com a chuva o meu pai dança
O céu vibra em tons de azul
Odé derrama bonança com o balanço de tua trança
Oxóssi reina de norte a sul




Me escapam palavras para descrever
O motivo do meu engasgo
A densidade do não ser
Por dentro eu me devoro, eu me rasgo

Eu já não quero entender
Os motivos e razões
Que permeiam minhas mais loucas dissoluções
Continuo sem saber

Minha ânsia, o gosto, o travo
Mais um trago amargo do meu cigarro
Os sentidos em tiros de inconstância
Eu me deparo com os restos de esperança

Teu rosto meu sonho perturba
A carícia dos teus desejos
Em agonia absurda 
Pois deixei passar o ensejo

Os olhos riscados de carvão
Revoltos feito fogo
Tu me deixastes escapar pelas tuas mãos
Destituiu a noção de todo

Verter não quer dizer fraqueza
Eu não vou esquecer
Meu amor tenha certeza
O reflexo do meu eu é você

Só você preenche os espaços
Mas deixa de ser orgulhoso
Me risca com teus traços
Vem me contornar de novo


Inaê hoje quero navegar
Mamãe hoje canto para você
Iemanjá vem me guiar, me mostrar
O meu caminho, o meu caminho pro mar

Inaê tuas mãos a me afagar
Mãe que cuida da minha cabeça
De mim jamais esqueça
Na areia sereia vem deitar

Iemanjá mãe de amor
Em tuas ondas vem me embalar
Pelo teu olhar o mar clareou
Penteia meus cabelos, em teu seio me faz descansar

Odoiá Iemanjá
Minha mãe, mãe das águas
Com teu sal fecha minhas chagas
Para que eu possa sempre vos representar

Odoiá mãe dos orixás
Glória mãe que protege o pescador
Olhando do caís eu ouvi os teus sinais
Inaê por cima do mar prateou




Chega de tanto pesar
Deixa o sol entrar
Livre feito uma cítara a tocar
Para meditar

Escutar o que o universo
Feito a chuva que cai de verso em verso
Tem para me falar
Deixa o meu eu lírico na luz se afogar

Mesmo que o meu corpo físico distante vá cantar
Que minha sina eu não mais sinta
Me leva para dentro com a força do teu vento Oyá
Faça-me maior, vem me fazer dançar

Na minha dança deixo a trialidade
A primal criatividade
Preta, branca e escarlate
De toda a humanidade aflorar

Ser menor é sentir o que o desconhecido dá
Me faz terra, me faz luz
Em tua cadência me traduz
Mesmo sozinho eu sou de qualquer lugar



Eparrei Oyá, Eparrei
Lá vem ela, lá vem ela
Fazendo rebuliço na terra
Pelo vento forte eu te chamei

Eu já sei, eu já sei
Senhora da tempestade
Na tua terra hei de me tornar rei
O teu raio me ilumina e invade

Iansã, tu que ascende o fogo de Ogum
Saravá Iansã
A mais corajosa filha de Nanã
Entrega tuas jóias a Oxum

Iansã é dona de uma das coroas mais lindas
No teu clã dentre as mulheres tu serás a mais forte
Enquanto descansa o sol tu assopra as cinzas
Yabá que guia minha sorte, que aprimora minha morte.



E no meu sertão noitinha a chuva vai chegar
E a esperança nos meus zóio faz brilhar
Chega de lágrimas, chega de dores
E no meu sertão sobre a terra seca nascem flores

Ao ouvir tua sanfona dedilhar
Profunda e imensa
Teu lamento e tristeza me fez chorar
Não tem no mundo quem vença
O poder do teu cantar

O teu olhar sobre o defeito
O desrespeito, o despreparo
O desamparo que o sertanejo tem que suportar
Que até hoje ninguém deu jeito

Vejo pelas estradas o boi que de sede morre
Toca teu baião, teu xote
Deixa pingar sobre nós a sorte
De que um dia ninguém aqui mais chore

A chuva lava as dores
Tu que cantastes asa branca
A morte do vaqueiro
E outras tantas
Fez embalar meu pesar e meus amores

Hoje canto e digo em absoluto
Como alguém que tem esperança no futuro
Do sofrimento nasceu um sonhador
Quem semeia algum dia colhe o fruto

Sou também mais um matuto, nascido no agreste de Pernambuco
Sei da nossa carência e necessidade
Só quem vive na seca sabe e conhece
Me perdoe o insulto, mas Gonzaga cabra da peste
Tua canção para sempre aquece o coração do meu nordeste.



A senhora de Shalott
Com as mãos cansadas de tanto tecer
Olhando pela janela as torres e sentinelas
Que em seu claustro faz se esconder
Ao longe ver Camelot

Em sua mais doce quimera 
Divagando sonha em fugir
Mas se encontra acorrentada em uma cela
Tudo dentro de si foi arrancado: seu amor, seu sorrir

A senhora de Shalott
No calor agonizante de sua alcova geme
Desacredita da sua má sorte
Ela foi silenciada para sempre

Em seus sonhos ela encontra conforto
Um lindo moço que a venha libertar
Que em seu cavalo a coloque no dorso
Ao acordar na janela ela tece e se põe a esperar

A senhora de Shalott 
Tão doce e imaculada
Teve seus anseios desacreditados
Pela força de uma espada
Pela empáfia de um exasperado

Arrastando por longos anos seu fardo
Desceu as escadarias fugindo das torres
Ela decidiu despedir-se ao anoitecer daquele condado
Pois sua alma não mais suportava as dores

A senhora de Shalott
Ao longe avistou um barco
Deu um grande e compenetrado suspiro
Seu coração flutuou alado

Os álamos cobriam com sua folhagem o rio
Arrumou de esmero o barco com o seu tecido
Navegou durante toda a noite
De sua ruína havia esquecido

A senhora de Shalott
Soltava as correntes e a chuva molhava seu cândido vestido
Ela estava finalmente livre, longe de perigos
A triste dama cantava uma música fúnebre e triste
Quando atracou no cais do norte

Sua pálida tez derramava longo pranto
Os olhos fatigados buscavam pelo amado Lancelot
Nos seus braços, como uma vela extinguida ela abraçou a morte
Até hoje a corajosa senhora é lembrada por toda Camelot




Não sabendo que era impossível, foi lá e fez.
                                          (Jean Cocteau)


Pequenos seres que refletem inebriante luz
Acalma minha alma e conduz
Peço aos grandes mestres sabedoria
Que me acompanhem em mais uma noite de contemplação e magia

Com a lâmina de uma adaga abro o círculo:
"Espírito telúrico de poder encantado
Abre diante a mim o portal sagrado
Deusa de todos os elementais
Que molda tudo com os teus sinais
Sempre fica ao meu lado"

Invoco os quadrantes e mestres
Que firmem imponentes sentinelas de força
Nos conectamos a Gaia suprema graça terrestre
Para que nossos anseios aceite e ouça

Agora a pele dança em sincronia com a lua
Momento de grande epifania
Minha alma docemente flutua
Vênus chora de alegria

A grande Deusa me abraça e beija a face
Protegidos neste circulo transcendemos todo o mal
Que a chama violeta em nosso peito jamais se apague
De mãos dadas nesta egrégora, nossos sonhos se fundamentam no astral


A vós, pregados pés por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, para ungir-me, 
A vós, cabeça baixa, p’ra chamar-me.
A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me
Para ficar unido, atado e firme.
                        (Gregório de Matos)


Promessas e os dedos se enrolam em fitas
Sua água e pão são turvos
Em uma agonia infinita
De longe se escuta o absurdo
Esperança que o divino se materialize
Que o vil desejo se realize
Os anjos caídos choram
E na fúria se embalam
Mãos lívidas de pranto e dúvida
Esperando por um sopro de vida
Mas estão tão distantes
São perdidos e errantes
Vagando sob um sol morno
Invadindo nossas casas
Apagando o brilho e o contorno
Com o pesar de suas palavras
Nos tratando como objetos
Sonâmbulos acreditam estarem despertos
Com certa força profanam o que é certo
Os anjos de carne e suas preces 
Escória de fúria que o mundo estremece
E nos empurra para o abismo
O abismo do pecado
Onde mais uma vez o sagrado
Muda de lado e usa uma outra veste





Dançando para escorrer
Dançando para lavar
Dançando para chover
Para a tristeza balançar

Dançando para desamarrar
Para a paz brotar
A dança é uma oração
Uma benção que faz frutificar

Dançando para ver
Tua sanha apaziguar
E a nossa frente se estender
Perfumados lírios ao caminhar

Dançando transformei meu fardo em patuá
Cheio de flores, de cores
Agora sem pressa deixo jorrar as dores
Para meu ijexá poder iluminar








Ó pátria amada 
Quero absolvição, independência, emancipação
De tuas carícias falsas
É fácil confundir amor com exploração

Somos filhos de uma prole fadada ao retardo
Mostra tua cara nação
Nos tornamos os renegados, os envenenados
Já vi muitos dos meus irmãos mudos em um caixão

Desculpa mãe, mas prefiro minha avó África
Aqui nós lotamos os orfanatos
Morremos todos os dias por fardados
Sua progenitora sempre foi mais próspera

Passamos horas nos hospitais
A previdência que aniquila a providência
O tempo demora demais
Mãe de ti me acostumei com a ausência

Quando precisar de mim não me chame
Não reclame do meu comportamento
De ti não quero mais nada:
Nem teu alento, nem teu vexame, nem teu resmungue, nem teu sangue.















"livre de escolas, livre de igrejas, livre de dogmas, livre de academias, livre de muletas, livre de prejuízos governamentais, religiosos e sociais". (Maria Lacerda)

Quando professores se tornam ditadores
E tudo se torna um circo de horrores
De tanto ver na tevê o que não presta
Ele acordou com um letreiro na testa
Escrito em negrito Babaca
O tempo do cala a boca já morreu
Não preciso de sarcasmo, uso a palavra
Tua boca que atira falacia
Eu já não tenho amarras
O pano que te cobre a cara
Aqui sua hipocrisia não se embala
Sua pala não apaga minha baga
Tua opinião enriquece a direita
Mas quem não tem ceia é que deveria estar de cara feia
Entregue sua alma ao capitalismo
Seja mais um produto descartável do sistema
Mas que pena
Agora nenhum filho da puta pode me julgar com falsos moralismos
Eu não tô aqui pra explicar
Vim aqui para confundir
E sem me curvar
Misturo as cartas nesse baralho
Quero mais subverter
Botar pra foder em todo este caralho





Queria pintar tudo de vermelho
Como os olhos do coelho
Com a pressa de um carro sem freio
Igual pintaria seus pesadelos minha querida e surreal Frida
Pois vermelho me remete a vida
Quem dera eu ser pintor
Ser o sangue que escorre da ferida
Do sujeito que o peito ensanguentou
Ser o vermelho que já cicatrizou
O vermelho vivo que hipnotiza
Sinto que o meu peito também simpatiza
Pois, vermelho é repleto de significado e valor
Quem me dera ser pintor
Colocaria um tom mais negro em sua cor
Toda vez que alguém sentisse dor
Apenas para ver sem medo
O secreto desejo de quem já amou
Queria sentir o calor vermelho da flor
Já imaginou eu sendo pintor?
Colorindo todas as bocas e becos de vermelho
Se eu pudesse pintaria todas as ruas e rostos
Riscaria os desgostos
Faria reluzir sorrisos no espelho
Sorrisos não mais amarelados, mas vermelhos
Queria tirar de minhas veias o sangue
Ter o talento de pichar de Basquiat e ver num instante
Um novo mundo florescer vermelho
Agora sem pressa pintar o âmago do teu seio
Só assim bem lá no fundo
Todo o mundo seria menos feio
Quem me dera ser pintor







Eu canto e desafino
O tamanho do abismo
Que se estendeu entre nós
Um íngreme abismo que não nos deixa a sós

Eu canto para esquecer
Para em mim conter o oceano que se esvai
Por mais um minuto viver
Só assim o lamento sossega, distrai

Eu canto e conto
O que chorei e perdi
Confesso que de fato me excedi
Ao ignorar e passar do ponto

Se eu canto é para não aceitar o fim
Tentando evitar o afogar da despedida
Assim te deixo transbordar na minha vida
Pois teu mar não morrerá em mim


Revele-se
Me guie por dentre caminhos escuros
Derruba todos os muros
Onde tua luz impera
Desmancha meus atos impuros

Conduza-me
Faça adormecer a fera
Mostra-me sinais não vistos
Para acabar a guerra
Mártir do espírito

Diga-me
O que por trás se esconde
Rompe em mim a busca
Me ensine por onde
O caminho menos machuca

Mostra-me
Absorva-me em teu silêncio
Minha alma implora
Leva-me para dentro
Clamo para que revele-se agora




Assustado e fingindo
Não quero mais
Continue mentindo
Agora tanto faz

Permaneço ausente
Outra linha se desfaz
O ego dissolve na gente
E constantemente se refaz

Eu desejo mais nada
Como posso desejar?
Rolando pedras na estrada
Para na chegada voltar

Os crimes foram varridos 
Quem teme ousa julgar
E por fim castigo
Ao redor vem açoitar

Cansado e tentado
O que mais satisfaz?
É o preço por ter desejado
Escravo da sensação fugaz



Eu de fora me vendo
Pálido e sujo
Me achando e perdendo
Aprendendo mais uma vez a respirar
Sem saber o caminho certo
Ou qual hora vou chegar
Talvez divagar seja minha sina
Solto sem correntes
Feito bicho eu me espalho
Cedendo a caprichos nas esquinas
Bebendo dessa cachaça barata
Me entorpecendo com as pontas dos teus cigarros
Que aos poucos me corta por dentro
E dentre os ferimentos 
Procuro em um voraz intento voltar
Ah se eu soubesse me amar
Queria a mim mesmo devorar
Se eu pudesse engoliria os meus braços
Cotovelos, pernas e baço
E sem pena roeria os ossos dos meus pés cansados
Assim sem pressa vomitaria os pedaços
Saboreando todos os meus complexos e medos
E sem segredos me reduziria a pó
Só assim afrouxaria o nó
Que tanto aperta os meus dedos
E quando tudo eu tivesse digerido
Atearia fogo e seria consumido
Tenho sede de me construir de novo
De me amar, me merecer
E depois que cada célula eu tenha modificado e se erguido
Poderei perceber ao redor, sentir e ver
Como eu tenho insaciável fome de me pertencer

E quando eu vi seus olhos oblíquos
Se distendendo em continuas lágrimas
Eu me deixei nelas afogar
Tentei nadar até a margem
Mas em cada fração de segundo
Fui cego pela tua imagem
Sem nenhum afago fui deixado pra trás
Minha alma perdida em algum cais
De onde eu pulo e me lanço ao fundo
Que já nem sei se quero voltar mais
E neste profundo mar
Se eu pudesse me transfiguraria
Cada célula do meu corpo morreria fria
Só assim evitaria o peso de me enxergar
Sem ufania percebo o preço que tenho que pagar
Nem imaginei que este dia ia chegar
Se eu soubesse como evitar
Jamais tentaria
Quando você dança lança lâmina que desmancha minhas íris
Quando você arde inunda minhas veias com teus detritos
Me deixando fraco e infeliz
Agora ninguém pode cessar o som dos meus gritos
Pois eu sei que ainda moro dentro dos teus tristes olhos hostis


Eu queria algo bom para poder partir
Algo bonito por ser simples
Se pudesse me levaria para Órion e lá ficaria
Assim me telestransportaria
Só sentiria o frio
Me tornaria gelo e me purificaria

Mas toda vez que eu me ergo vejo você caindo aos pedaços
Eu sei que nada vai ocupar os espaços
Tenho motivos para acreditar que com a flecha de Artemis você me acertaria
E sou eu quem estou caindo por todo este tempo descalço
Só me resto, sem magia
Neste encalço talvez um dia eu volte

Estou deixando esta babilônia cada vez mais forte
Quero estar intacto, no alto vendo a lona esmorecer
Lá do alto tudo é tão irrelevante que até a sorte fiz esquecer
Vou mas não tão rápido
Pois o mundo rui aqui em baixo

Não sou eu que vou quebrar em pedaços
em fenecer ou ressecar
Todos os cortes no meu corpo se tornaram de ouro e aço
Enquanto para outra Órion não embarcar é aqui que eu devo estar
Entre a lama eu ando e o mundo se move ao redor

Não deixe eles apagarem a luz
Nem te fazer menor
Agora não preciso ir pra Órion
Enxergamos através do sol
De mãos dadas nesta egrégora somos fogo
Consumindo nossos sonhos em uma unidade só