Na vida sou tudo que se esvai

Folha lânguida, fina, turva

E de tão gélida, morta do alto cai

Lentamente dum galho seco que se curva


Com semblante sepulcral, malfazejo

Estes olhos covardes e tristes

Transbordam no céu um tom de degredo

Aquela esperança que não mais existe


Eu, que só queria do sol a luz mais intensa

Para amansar as penosas sombras

Que enrijecem, sufocam e assombram

Os frios dias da minha sentença


Preso num claustro a se debruçar cristais

Onde o ódio, decadência e medo

Salpica de vermelho os vitrais

E irradia a drusa dos segredos


Se da vida esta sangria insuperável

Pelo derrame de antigas dores inundo

Junto a horda de demônios na noite insondável

Traz teu óbolo, meu descanso mais profundo


Jal Vasconcellos



Foto: Gustavo Pellizzon


“O mar quando quebra na praia

É bonito, é bonito”, Val Caymmi


Se hoje eu naufraguei
Foi por ouvir o vento
Talvez tanto acreditei
E acabei me esquecendo

Abandonado de mim
Feito um pescador
Pintando o horizonte sem fim
Salpicado de penar e dor

Sem direção, tão perdido
O sal do meu olhar
Manchou o tecido
Cada sargaço vem afogar

Eu me debruço sob a noite escura
Ouço zumbido de temporal
A lua não ilumina a pele nua
 Que flutua crua e abissal

Contemplo minha mágoa sozinho
E nem toda essa água é capaz de estancar
O templo do meu coração feito de espinho
Que por dentro continua a sangrar

Essa falta que aqui dentro se cria
 A saudade não faz acostumar
Sem alegria...
Nenhum orixá me guia
Meu soluçar...
Vou deixar o fundo do mar levar




"Ah! Esta noite é a noite dos vencidos!" (Augusto do Anjos)

O sol não queima há tanto tempo,
O vento de mim se esqueceu,
Preso em claustrofóbicos intentos,
Da ponte a sanidade esmoreceu

Pela cólera das erínias,
Ao sonhar fê-la etérea,
Pintando epifanias claras, exímias,
Com cores pálidas, funéreas

De tão aturdida,
A lira não ressoa uma nota,
Para que serve inda a vida,
Dentro desta pele gélida e morta?!

Toda inocência dorme lívida,
No frio que o vento esqueceu,
Em uma noute que parece perdida,
À espera do sol que nunca nasceu




 “E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...”, Florbela Espanca

Aprisionado em consentimento
Dorme um coração relutante
O céu plúmbeo esboroa lento
Copiosas lágrimas de infante

Quando o pesar bateu a porta,
Despetalando a canção de minh’alma?
Tocou no corpo cortantes notas
Como que esculpindo a pele em navalha

Teu sorriso meu enleio
Meu receio teu regozijo
D’ouro pintou meus devaneios
Na profundidade que preciso

Libertar-nos-emos dessas dores
Que nos volve aos labirintos ancestrais
Do tempo, memória e cores
Enquanto remontamos esquecidos umbrais