Serena foi cantar
Descansar
Clara a te esperar
Incandescente luz
Para te levar
Que te conduz
Para além mar
No colo de Iemanjá
Serena claridade
Traz consigo o sopro do ar
Virou divindade
Se fez perpetuar
Entoando a melodia
A alegria do sabiá
Ávida de uma nova vida


E então você chegou 
Querendo me levar
Minha mão segurou
Eu não pude evitar


Com todo o seu gingado e malemolência
Até tentei te acompanhar
Mas a cabeça explodia dormência
Fiquei parado


Você me tirou para dançar
Arrastou-me para a pista
Foi mais do que tenho para dar
Borrou minha vista


Cai mais de três vezes 
Meu coração congelou
Acelerado você gritou aos meus ouvidos
Desconcertado eu não ouvi, fingi que ri


Soprou no meu pescoço
Tentou me surpreender
Meu ritmo era outro
Quando vai perceber?


A música me empurrava
Suas investidas eram em vão
Teu corpo suado que me rodeava
Criava uma barreira de contenção


A dança me sufocava
Precisei me afastar
O seu gingar me atrapalhava
Só queria respirar


Seus olhos me procuravam na multidão
Para quem estamos mentindo?
Soltei sua mão


Fui indo para casa
Era para me apaixonar
Mas acabei dormindo





A Síria apita com seu sol vermelho
O espelho estilhaça
A cidade arde em grossas chamas
E pinta de rubro o tom dos seus cabelos
Quanto tempo resta as nossas carcaças?
Por que se esconde por dentro?
E não se rende a doce ameaça
O céu entoa desastre
O vento leva aos limites
E eleva os sinais antes que te arraste
Inevitável é a queda
Silenciando quimeras tristes
Que te lançam para o outro lado
Não o renomeie quando ele não pode ser pronunciado
Não o despreze quando ele estiver despido
Não o machuque quando ele germinar
Não enterre os seus gemidos
Não sufoque seu coração feito de mármore
Não profane sua árvore de adoração
Não crie barreiras quando ele sangrar
Não o avise quando ele quebrar as paredes da compreensão
Não o pise quando chegar ao chão
Não o mate em luvas de cetim, pois só o acalmarão





O rio já não é mais o mesmo
Abaixo das ondas, nas margens
De quando eu me deito
E com a força do tempo
Resvalando no seu leito
Modificando a paisagem
Restaurando o meu peito
Ensinando-me novamente a respirar
Faz tempo...
Eu sei a última vez que fui
Que tanto tardei para voltar
Só precisava me curar
Das curvas, que a vida nos dá
De tentar consegui
A correnteza me trouxe de volta
Imaculado de brio e fogo
Que aos poucos da minha voz transborda
E inunda vias e veias de novo
Este rio já não é mais o mesmo
Pois, feito água, já me tornei outro




As luzes confundem
Você realmente quis me conhecer
Então por que se esconde?
O silêncio que devasta
E nos arrasta...
Na túnica pálida que envolve a manhã
A linha foi traçada
O confronto está próximo
Do outro lado vejo ele se partir
O júri se tornou o tempo
Aquela tez agora veste mármore
A esperança espera por descanso
Um poeta dos campos elísios
Exilado nas brumas da delusão
Recuse a se render
Você pode me estender à mão?
Tão alto que foge da sua compreensão
Você tentou me entender
Esperamos costurar tudo
Mas estamos tão devastados
Das lutas de outrora
Para onde se foi à glória?
Qual o seu melhor refúgio?
Encobrimos nossos sonhos e abusos
Nos olhos cálidos da aurora




A linha foi traçada
São seis passos
Sete palmos
Meus olhos vermelhos
Já faz tanto tempo
Lançado na masmorra do esquecimento
Que não consigo mais me enxergar no espelho
Cronos lança seu martelo aos meus joelhos
O caminho é turvo, a noite não alenta
O frio quebra meus ossos como finos gravetos
A vida se esvai em tortuosas curvas
Nem a chuva à minha tisga alma alimenta
Fatigada é a melodia que urra da minha lira
Fatídica é a fúria em busca da cura
Dos lençóis de ébano que agora vestem o meu passado
Encubro meu coração do láudano soberano
Subo no alto dos meus mais vastos quintais
Mergulho no caustico pântano dos ocidentais
Estratégico, miraculoso, nefasto
Introjeto a peçonha, inalo metano
Inumano sigo a caminhada lúgubre dos mortais

Seis passos...




Enterramos os nossos limites
Por que me chamas?
É hora de afiar os teus fios,
No limiar das minhas navalhas,
No presságio dos meus ritos,
Dorme um monstro colossal.
No frio da tua cama
Que mal me chama
Que não me espanta mais.
O medo é um retrocesso,
Um passo em falso.
Um passeio nebuloso,
 onde estamos adormecidos a tanto tempo,
Imputados ao fracasso.
E as horas mudam,
 Já não acompanham o desenvolvimento das nossas células,
Que destroem-se umas as outras,
No contra-passo do que é previsível,
Neste lume invisível, rumo ao nada
As nossas ânsias atrofiadas,
Vestem saias ao avesso.
Estes ideiais que se desintegram rumo ao limbo.
Roda a dança da ilusão,
Na negação da realidade,
E só nos afasta...
Na monera idiossincrática da tua farsa,
O monstro se alastra,
 fundamenta-se,
 e alimenta o mito,
mas quando chega perto se disfarça.
A tua teia não sufoca mais,
Nem o cheiro do teu sexo ordinário,
Teu trajeto é um deserto dissociado.
Não implore mais.




Nos impulsos de minh'alma
Correntes de ar se formam lisonjeiras
Que sobre meu céu delicada se espalma
Mas não perpassa as fronteiras

Este invólucro que se estende de mim
Desaguam em rios que tua sede mata
E sem piedade consome até o fim
Até os sulcos do meu rosto não restarem nada

Tu, que tardas a me beijar
Tento amansar a força do tempo
Lembro teu perfume, entardecer, campo de videiras

Fecho os olhos e te vejo me tragar
Eu, que hoje nada mais sou que vento
Restos de um mundo,  poeira de estrelas






Nascido da noite infinita
Ele esconde seus olhos na areia
Um olhar fixo de uma centelha perfeita
Sobre a terra morna sem vida


São tantos mundos em colisão
Eu quero os mais bonitos
Flores despedaçadas sobre o chão
Que em seu fluxo permeiam o infinito

Já não posso mais prever
Mesmo sendo difícil respirar
Nossas células lutam em um palíndromo para sobreviver
Encontro ciclos esquecidos de diáfano serpentear

No paraíso dos afetos
Todos os demônios que flutuam do teu ser
Permeiam meus mais insignificantes gestos
Pois sendo implacável o fim, seu  retorno é amanhecer

Um novo dia beira o abismo
Reconfigurando monstros e sinuosas esferas
Subvertendo as ordens do transcendentalismo
Todas as formas só por existir, já nasceram belas