A senhora de Shalott
Com as mãos cansadas de tanto tecer
Olhando pela janela as torres e sentinelas
Que em seu claustro faz se esconder
Ao longe ver Camelot

Em sua mais doce quimera 
Divagando sonha em fugir
Mas se encontra acorrentada em uma cela
Tudo dentro de si foi arrancado: seu amor, seu sorrir

A senhora de Shalott
No calor agonizante de sua alcova geme
Desacredita da sua má sorte
Ela foi silenciada para sempre

Em seus sonhos ela encontra conforto
Um lindo moço que a venha libertar
Que em seu cavalo a coloque no dorso
Ao acordar na janela ela tece e se põe a esperar

A senhora de Shalott 
Tão doce e imaculada
Teve seus anseios desacreditados
Pela força de uma espada
Pela empáfia de um exasperado

Arrastando por longos anos seu fardo
Desceu as escadarias fugindo das torres
Ela decidiu despedir-se ao anoitecer daquele condado
Pois sua alma não mais suportava as dores

A senhora de Shalott
Ao longe avistou um barco
Deu um grande e compenetrado suspiro
Seu coração flutuou alado

Os álamos cobriam com sua folhagem o rio
Arrumou de esmero o barco com o seu tecido
Navegou durante toda a noite
De sua ruína havia esquecido

A senhora de Shalott
Soltava as correntes e a chuva molhava seu cândido vestido
Ela estava finalmente livre, longe de perigos
A triste dama cantava uma música fúnebre e triste
Quando atracou no cais do norte

Sua pálida tez derramava longo pranto
Os olhos fatigados buscavam pelo amado Lancelot
Nos seus braços, como uma vela extinguida ela abraçou a morte
Até hoje a corajosa senhora é lembrada por toda Camelot




Não sabendo que era impossível, foi lá e fez.
                                          (Jean Cocteau)


Pequenos seres que refletem inebriante luz
Acalma minha alma e conduz
Peço aos grandes mestres sabedoria
Que me acompanhem em mais uma noite de contemplação e magia

Com a lâmina de uma adaga abro o círculo:
"Espírito telúrico de poder encantado
Abre diante a mim o portal sagrado
Deusa de todos os elementais
Que molda tudo com os teus sinais
Sempre fica ao meu lado"

Invoco os quadrantes e mestres
Que firmem imponentes sentinelas de força
Nos conectamos a Gaia suprema graça terrestre
Para que nossos anseios aceite e ouça

Agora a pele dança em sincronia com a lua
Momento de grande epifania
Minha alma docemente flutua
Vênus chora de alegria

A grande Deusa me abraça e beija a face
Protegidos neste circulo transcendemos todo o mal
Que a chama violeta em nosso peito jamais se apague
De mãos dadas nesta egrégora, nossos sonhos se fundamentam no astral


A vós, pregados pés por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, para ungir-me, 
A vós, cabeça baixa, p’ra chamar-me.
A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me
Para ficar unido, atado e firme.
                        (Gregório de Matos)


Promessas e os dedos se enrolam em fitas
Sua água e pão são turvos
Em uma agonia infinita
De longe se escuta o absurdo
Esperança que o divino se materialize
Que o vil desejo se realize
Os anjos caídos choram
E na fúria se embalam
Mãos lívidas de pranto e dúvida
Esperando por um sopro de vida
Mas estão tão distantes
São perdidos e errantes
Vagando sob um sol morno
Invadindo nossas casas
Apagando o brilho e o contorno
Com o pesar de suas palavras
Nos tratando como objetos
Sonâmbulos acreditam estarem despertos
Com certa força profanam o que é certo
Os anjos de carne e suas preces 
Escória de fúria que o mundo estremece
E nos empurra para o abismo
O abismo do pecado
Onde mais uma vez o sagrado
Muda de lado e usa uma outra veste





Dançando para escorrer
Dançando para lavar
Dançando para chover
Para a tristeza balançar

Dançando para desamarrar
Para a paz brotar
A dança é uma oração
Uma benção que faz frutificar

Dançando para ver
Tua sanha apaziguar
E a nossa frente se estender
Perfumados lírios ao caminhar

Dançando transformei meu fardo em patuá
Cheio de flores, de cores
Agora sem pressa deixo jorrar as dores
Para meu ijexá poder iluminar








Ó pátria amada 
Quero absolvição, independência, emancipação
De tuas carícias falsas
É fácil confundir amor com exploração

Somos filhos de uma prole fadada ao retardo
Mostra tua cara nação
Nos tornamos os renegados, os envenenados
Já vi muitos dos meus irmãos mudos em um caixão

Desculpa mãe, mas prefiro minha avó África
Aqui nós lotamos os orfanatos
Morremos todos os dias por fardados
Sua progenitora sempre foi mais próspera

Passamos horas nos hospitais
A previdência que aniquila a providência
O tempo demora demais
Mãe de ti me acostumei com a ausência

Quando precisar de mim não me chame
Não reclame do meu comportamento
De ti não quero mais nada:
Nem teu alento, nem teu vexame, nem teu resmungue, nem teu sangue.















"livre de escolas, livre de igrejas, livre de dogmas, livre de academias, livre de muletas, livre de prejuízos governamentais, religiosos e sociais". (Maria Lacerda)

Quando professores se tornam ditadores
E tudo se torna um circo de horrores
De tanto ver na tevê o que não presta
Ele acordou com um letreiro na testa
Escrito em negrito Babaca
O tempo do cala a boca já morreu
Não preciso de sarcasmo, uso a palavra
Tua boca que atira falacia
Eu já não tenho amarras
O pano que te cobre a cara
Aqui sua hipocrisia não se embala
Sua pala não apaga minha baga
Tua opinião enriquece a direita
Mas quem não tem ceia é que deveria estar de cara feia
Entregue sua alma ao capitalismo
Seja mais um produto descartável do sistema
Mas que pena
Agora nenhum filho da puta pode me julgar com falsos moralismos
Eu não tô aqui pra explicar
Vim aqui para confundir
E sem me curvar
Misturo as cartas nesse baralho
Quero mais subverter
Botar pra foder em todo este caralho





Queria pintar tudo de vermelho
Como os olhos do coelho
Com a pressa de um carro sem freio
Igual pintaria seus pesadelos minha querida e surreal Frida
Pois vermelho me remete a vida
Quem dera eu ser pintor
Ser o sangue que escorre da ferida
Do sujeito que o peito ensanguentou
Ser o vermelho que já cicatrizou
O vermelho vivo que hipnotiza
Sinto que o meu peito também simpatiza
Pois, vermelho é repleto de significado e valor
Quem me dera ser pintor
Colocaria um tom mais negro em sua cor
Toda vez que alguém sentisse dor
Apenas para ver sem medo
O secreto desejo de quem já amou
Queria sentir o calor vermelho da flor
Já imaginou eu sendo pintor?
Colorindo todas as bocas e becos de vermelho
Se eu pudesse pintaria todas as ruas e rostos
Riscaria os desgostos
Faria reluzir sorrisos no espelho
Sorrisos não mais amarelados, mas vermelhos
Queria tirar de minhas veias o sangue
Ter o talento de pichar de Basquiat e ver num instante
Um novo mundo florescer vermelho
Agora sem pressa pintar o âmago do teu seio
Só assim bem lá no fundo
Todo o mundo seria menos feio
Quem me dera ser pintor