Senti o sopro mudar de compasso
Neste corpo congelar as citéreas
Triste espírito de pungente cansaço
Atravessando escárnios e brumas etéreas

Cítaras murmuram lúgubres canções
O sangue escorre em finas tiras
Perdidas estão todas as ilusões
Dissonante ao som das divinas liras

No esplendor das sinuosas furnas
Onde pequenos zéfiros palpitam
Revolvendo as fadas noturnas
Todas minhas preces calcificam

Olhos eclipsados de servidão
 Onde tantos lamentos têm enxugado
Enternecida é a mesma mão
Que me sepulta no crepúsculo gelado







O sol nascente risca o chão
Sopro no pó do dia
Rasgando o coração
Tuberosa, noite fria

Vento, brilho e sal
Trem solto no vagão
Luz preternatural
Balança o meu cordão

O fôlego ressurgiu
Lavando o meu vitral
Do céu acácia caiu
Folhagem, mar e cal

Meu eu
Perfume de hortelã
Estendo no varal

O sol
Abraço de irmã
Cordão umbilical

Luar
Afago em duas mãos
Criou meu talismã




Entre o açoitar das emoções
Me lancei ao mar Egeu
O céu em trevas vibrações
Meus dons escureceu

Por séculos arrastei-me como soldado
Buscando um triunfo que nunca foi meu
Um monge de mármore desacreditado
Cristalizado nos olhos de um ateu

Colecionei ouro dos tolos
Sozinho, peregrinei por desertos
Joguei ao vento meus tesouros
Quanto mais longe me senti perto

Quando em meu coração deitar a morte
Contabilizando meros louros
Despido estarei perante a sorte
A espera de tribunais vindouros



Nos alicerces do meu corpo
Se firmaram seus instantes
Salpicado de desgostos
De desejos delirantes

E nas voltas deste calendário
que encrava o meu rosto de riscos
O tempo este juiz arbitrário
Me empurra contra precipícios

Uma sinfonia discordante
Durante séculos eu tento entender
Por que o homem que me veste
é sempre mais puro ao entardecer?

Quando o sol se esvai
Me deparo nesta cela
Como podem minhas primaveras
Parecerem tão iguais?

O brilho da lua traz conforto
Iluminando antigos umbrais
Teu arfar me serve de porto
em meio aos escuros temporais