Feridas indolentes 

No batente do alpendre lavei minh'alma

Estendi aquela lágrima remanescente

Que em espiral se espalma

Um bocado salgada

Acalma o coração salpicado

Com tinturas amargas

Trajado de andrajos

De censuras, sua tarja

Que aos poucos apaga

Gritos roucos e sublimes

O peito sufocado

Espreme e imprime

Um fino traço

Muito além da carga alçada

Desse novelo embaraço 

De uma novela mal costurada

Com pés descalços disfarço 

Meu derradeiro brado 

Na mão isqueiro, outro trago

Assim te trago...

Te devoro com devoção 

piso, cuspo e apago


Jal Vasconcelos 01/23


Sai
Pra sentir o cheiro da chuva
Aqueles anseios esqueci
Na esquina virei a curva
Ouvi passos e segui

Meus instintos me guiaram
E no compasso do frevo
Meu coração e braços se entregaram
Nos quatro cantos, um desejo

Sinto sede de viver
Soltei as amarras
Dentro existe outro querer 
De vencer novas batalhas

Nas ladeiras de Olinda me perdi
O sacolejar do mar revelou
Sem você me encontrei 
Meu carnaval já começou 



Perdi o controle das minhas asas

Decaí

Passam as horas, estilhaçam as taças

Sinto que na eternidade sucumbi


Por séculos minha alma vaga

Cansada, sonâmbula, incrédula

A chama de minh’alma lentamente se apaga

E no meu sono aninha-se amálgama e pêndula


Me lancei ao mar Egeu

Fiz promessas aos deuses

Baphomet, Leviatã, Prometeu

E eles riram dos meus interesses


Sinto o perfume dos espaços 

Que inundam as viçeras

Rompendo todos os laços

Deixando só a carniça


Nos olhos de um pássaro 

Afoguei a minha dor

A sombra dos teus passos

Minha vida destroçou 


Um inverno inefável 

Sonhei alto demais 

A queda foi inevitável 

Em pedaços estão os meus cristais 


Sem uma resposta

O vento nos esqueceu 

A sentença foi imposta 

Em teus braços o amor morreu




Na vida sou tudo que se esvai

Folha lânguida, fina, turva

E de tão gélida, morta do alto cai

Lentamente dum galho seco que se curva


Com semblante sepulcral, malfazejo

Estes olhos covardes e tristes

Transbordam no céu um tom de degredo

Aquela esperança que não mais existe


Eu, que só queria do sol a luz mais intensa

Para amansar as penosas sombras

Que enrijecem, sufocam e assombram

Os frios dias da minha sentença


Preso num claustro a se debruçar cristais

Onde o ódio, decadência e medo

Salpica de vermelho os vitrais

E irradia a drusa dos segredos


Se da vida esta sangria insuperável

Pelo derrame de antigas dores inundo

Junto a horda de demônios na noite insondável

Traz teu óbolo, meu descanso mais profundo


Jal Vasconcellos