Peregrino do deserto
Minha bússola quebrada
Andando sem um caminho certo
Ouço longínquo os ecos das minhas palavras

Sob a areia um oásis em feixes constantes
Que irradiam vida e borbulham fontes
Grande falange que brotam nascentes
Onde pequenas ninfas desnudam-se defronte

Ilusão...

No emaranhado de dunas
Que se diluem quando chego perto
Joguei ao vento minhas runas
Meu oráculo foi esquecido pelas ruínas de Delfos

Sempre em busca de pirita
Vagante do ermo solitário
A jornada parece ser infinita
Mudo de novo o meu cenário 
















Oh, filha
Imagino se você tivesse nascido aqui
Cabelo cacheado, ao vento
Olhar perdido em relação ao tempo

Eu sei, tu seria negra
Mas viveria feliz?
Não filha
Nem fodendo tu nasceria aqui

Aliás, nem vou mais falar em ti filha
Eu nem tenho filha
Mas já tive um amor
Que pouco me amou

E a cada carinho rejeitado
A cada decepção que sofria
Eu comia um pouco de terra
Até o dia em que me tornei barro

E precisei cruzar o oceano
Para vomitar aqui neste deserto
Todo o barro que em mim havia
Já nem sei mais o que é certo


Vem cá
Senta aqui agora
Embora reconheço que estive um tempo fora
Me deixei ir embotado tentando encontrar uma rota
Pra tentar entender, explicar
E poder sentir o que de fato importa

Mas eu sei que já é hora de voltar
É uma necessidade te falar
Perdoa por ir aquela hora
Entende que se eu te protejo
É do meu desejo
Do perigo que sou

Nem pense que eu não senti saudade
De quando dividíamos o mesmo amor
Eu sei que você sabe
Que eu não fiz por maldade
Também sei que agora pode ser tarde
Provei um pouco do seu pavor

Se você quer me deixar
Compreendo sua vontade
Tenho que aceitar
Se queres mesmo que eu vá, eu vou
Tu tens que saber
De ti não vou desistir ou esquecer

Espero o tempo que for
Para transcendermos a dor
E enfim brotar a flor da verdade
Deixo o vento soprar a vaidade
Para o nosso lamento irradiar liberdade
Não se deve apagar uma chama que ainda viceja calor


Caboclo da mata
Odé rei de ketu
Que minha sina seja farta
Faz forte o meu peito

Senhor da natureza
Okê Arô
Anil e verde representa tua beleza
Oxóssi é grande caçador

A folha da jurema é sagrada
Oxóssi é pai de esperança
Desaprova a matança desregrada
E não há quem possa com o poder de sua lança

Com a chuva o meu pai dança
O céu vibra em tons de azul
Odé derrama bonança com o balanço de tua trança
Oxóssi reina de norte a sul




Me escapam palavras para descrever
O motivo do meu engasgo
A densidade do não ser
Por dentro eu me devoro, eu me rasgo

Eu já não quero entender
Os motivos e razões
Que permeiam minhas mais loucas dissoluções
Continuo sem saber

Minha ânsia, o gosto, o travo
Mais um trago amargo do meu cigarro
Os sentidos em tiros de inconstância
Eu me deparo com os restos de esperança

Teu rosto meu sonho perturba
A carícia dos teus desejos
Em agonia absurda 
Pois deixei passar o ensejo

Os olhos riscados de carvão
Revoltos feito fogo
Tu me deixastes escapar pelas tuas mãos
Destituiu a noção de todo

Verter não quer dizer fraqueza
Eu não vou esquecer
Meu amor tenha certeza
O reflexo do meu eu é você

Só você preenche os espaços
Mas deixa de ser orgulhoso
Me risca com teus traços
Vem me contornar de novo


Inaê hoje quero navegar
Mamãe hoje canto para você
Iemanjá vem me guiar, me mostrar
O meu caminho, o meu caminho pro mar

Inaê tuas mãos a me afagar
Mãe que cuida da minha cabeça
De mim jamais esqueça
Na areia sereia vem deitar

Iemanjá mãe de amor
Em tuas ondas vem me embalar
Pelo teu olhar o mar clareou
Penteia meus cabelos, em teu seio me faz descansar

Odoiá Iemanjá
Minha mãe, mãe das águas
Com teu sal fecha minhas chagas
Para que eu possa sempre vos representar

Odoiá mãe dos orixás
Glória mãe que protege o pescador
Olhando do caís eu ouvi os teus sinais
Inaê por cima do mar prateou




Chega de tanto pesar
Deixa o sol entrar
Livre feito uma cítara a tocar
Para meditar

Escutar o que o universo
Feito a chuva que cai de verso em verso
Tem para me falar
Deixa o meu eu lírico na luz se afogar

Mesmo que o meu corpo físico distante vá cantar
Que minha sina eu não mais sinta
Me leva para dentro com a força do teu vento Oyá
Faça-me maior, vem me fazer dançar

Na minha dança deixo a trialidade
A primal criatividade
Preta, branca e escarlate
De toda a humanidade aflorar

Ser menor é sentir o que o desconhecido dá
Me faz terra, me faz luz
Em tua cadência me traduz
Mesmo sozinho eu sou de qualquer lugar



Eparrei Oyá, Eparrei
Lá vem ela, lá vem ela
Fazendo rebuliço na terra
Pelo vento forte eu te chamei

Eu já sei, eu já sei
Senhora da tempestade
Na tua terra hei de me tornar rei
O teu raio me ilumina e invade

Iansã, tu que ascende o fogo de Ogum
Saravá Iansã
A mais corajosa filha de Nanã
Entrega tuas jóias a Oxum

Iansã é dona de uma das coroas mais lindas
No teu clã dentre as mulheres tu serás a mais forte
Enquanto descansa o sol tu assopra as cinzas
Yabá que guia minha sorte, que aprimora minha morte.



E no meu sertão noitinha a chuva vai chegar
E a esperança nos meus zóio faz brilhar
Chega de lágrimas, chega de dores
E no meu sertão sobre a terra seca nascem flores

Ao ouvir tua sanfona dedilhar
Profunda e imensa
Teu lamento e tristeza me fez chorar
Não tem no mundo quem vença
O poder do teu cantar

O teu olhar sobre o defeito
O desrespeito, o despreparo
O desamparo que o sertanejo tem que suportar
Que até hoje ninguém deu jeito

Vejo pelas estradas o boi que de sede morre
Toca teu baião, teu xote
Deixa pingar sobre nós a sorte
De que um dia ninguém aqui mais chore

A chuva lava as dores
Tu que cantastes asa branca
A morte do vaqueiro
E outras tantas
Fez embalar meu pesar e meus amores

Hoje canto e digo em absoluto
Como alguém que tem esperança no futuro
Do sofrimento nasceu um sonhador
Quem semeia algum dia colhe o fruto

Sou também mais um matuto, nascido no agreste de Pernambuco
Sei da nossa carência e necessidade
Só quem vive na seca sabe e conhece
Me perdoe o insulto, mas Gonzaga cabra da peste
Tua canção para sempre aquece o coração do meu nordeste.