E aquele rio tão antigo guarda historias de guerras e glorias
Quem em seu leito deitar, em suas águas se banhar
Aprende novamente a respirar
Mas o barco do pescador que ousar de dentro retirar
É jogado contra a imensa onda, que com os olhos de barro da morte
Diluem a lembrança e a sorte, seus braços imploram nunca ali voltar

Aquele rio é vigiado por Deuses e entidades
Que dormem dentro e nas margens
Mas não importa a procedência ou a idade
Eles estão ali antes dos sonhos e vaidades
São tão antigos que só a árvores sabem como chamar
E não existe ninguém que o possa o confrontar

O rio negro é guiado por oxum,
A senhora das dádivas, rosas e lágrimas
Aquela que não se expressa em palavras
Ela vem como a onda que corta, alimenta e evapora a memória
É justa como a lâmina afiada de ogum
E decide as águas da vida e da morte que corre dentro de cada um
        
Ao entardecer quando ela do seu sono emerge
Muda a cor do céu das águas, elas ficam tão densas e sombrias
Seus olhos brilham com uma certa força
Que os braços de quem nada não descreve
Seu perfume borbulha ondas que a consciência inebria



Nas águas turvas todo ser se curva diante dela
O rio dança em fúria quando os reinos estão em guerra
As águas ficam rasas e a senhora das dádivas invoca a chuva
para acalmar o grande fogo que cobre o rio e o enterra
Quem ousar mergulhar o cheiro do rio te empurra para o fundo que confunde
Invade cada lugar da alma e lentamente inunde
Da margem te leva sem esperar


Aquele velho rio possui uma grande magia
Pra quem pisar em cima das suas folhas e erva das sete sangrias
A mesma água que cura desintegra a vida e mistura
As horas com epifanias
Durante sete dias
O rio volta a correr em seu ritmo sem tréguas
Mas ninguém sabe o segredo que existe embaixo das suas escuras águas, flores vermelhas e vitórias régias.

   
                                                                                            Jal Morgan 24/10/13




E aquele lugar nunca mais será o mesmo
Ainda restam cinzas e lágrimas
O fogo se alimentou e soprou diretamente ao céu
Para sempre o silêncio das palavras

Almas arrumadas confortavelmente para morrer
Um purgatório humano, o rezar ou correr
Ecos de dor entre as paredes
Sem saída
A antiga história volta a acontecer

O sangue arde pelas veias
A pele queima
Nos olhos o medo penetra e rodeia

Tão cansados deste holocausto sem fim
O cessar do pensamento, o extermínio do futuro
Mais um frágil coração morre languido no escuro
Dentro desta fumaça negra, o suor escorre da fronte
E até a sorte virou as costas e trouxe a morte que
Queimou as pontes que te trazem de volta a mim

E agora onde dormem seus sonhos?
Nunca mais te verei sorrir?
Tão jovens pra partir, deixar tudo pra trás
E da vida desistir.

Agora suas almas mornas dançam em agônia pelo ar
Foram consumidos pelo fogo
Tão feridos e cansados para um rumo encontrar
Sem esperança, sem folego para respirar                                    
Eles dormem em um sonho que jamais irão acordar

Poema feito para os 245 mortos e feridos no incêndio da madrugada de 27 de janeiro de 2013 na cidade de Santa Maria - RS. Descansem em paz.