Lábios verborrágicos
Explodem perante o rosto
Disseminando o ódio
No seu discurso pronto e imposto
De um apanhado sujo
Cujo referencial é modificado
Entre os meios tradicionais
A dialética do mal é consumada
Quando torna todos 'iguais'
A túnica mortuária do conhecimento
Cria forma na ideologia desencadeando sofrimento
Diminuir é prevalecer
Esquecer é exterminar
O consumismo da linguagem está em alta
A democracia se torna mercadoria barata
Fica exposta na banca
Como um pedaço de carne qualquer
Aqueles que detém o poder dominam o jogo
Quanto a parte que sobra
É lançada no calabouço da imperfeição









  Abandonei as fórmulas, o traço, a forma
Transfigurei o meu olhar
Mudei de figura
de lugar, de postura
Na foto da moldura não posso me enxergar
Andei me dando espaço
Para não ser nada
E ver emergir tudo
Cansei de pisar nos mesmos passos
De reproduzir a massa
Tão desgastada de tanto amassar
Não tenho pressa para chegar
Nem tampouco de partir
Hesitar, desistir
Por que devo me importar?
Tudo no mundo passa
Eu escolho o ritmo da minha caminhada
Não temo o perigo 
Já que a única certeza é o nada
Sigo indeciso
Queimei a largada
Desedificar é preciso
Não quero pódio ou prêmio de chegada













Envolto de luz preternatural
Na areia pálida dos meus sonhos
Tão cedo quanto o dia
Evoco o Deus da alegria
Calor aos meus olhos tristonhos
Moção ao meu coração desacreditado
Devastado por incompreensão
Sigo os riscos em torno das minhas mãos
Na tonalidade de um sol selvagem
Brilham guardiões do outro mundo
Abertos estão os portais em amplidão
Nesta inefável totalidade 
Hiperconectadas são as imagens
Que longe se fragmentam e descoram
O lugar onde repousam minhas quimeras
Para trocar suas cores agora
As mais delicadas e belas
Tuas sementes germinam em meu ventre
Talvez seja a hora
Sorvi antídotos e pintei a tela
Ao emanar caudaloso que jorra da janela
Encontrei meus antípodas antigos



Errei, confesso
Confesso o que ninguém sabe
Pois dentro de mim não mais cabe
Esta dor profunda feito um abscesso

Posto sobre ti aqui expresso
A angústia chamada saudade
Que dentro do meu peito pulsa, lateja e arde
E que invade a metade dos meus versos

Caminho enlouquecido de te amar
Meus olhos buscam um novo dia te ter
Quando vou ter a luz de te encontrar?

Como enxergar se me foi tirado o sentido de ver
E por que prender se posso libertar
 Ganhar incide imediatamente perder


A morte vaga pela terra
O véu se dissipou
A vela revela todas as respostas
Nosso oráculo queima
Banhado pela chama ancestral
De um crepúsculo que se foi para longe
Seremos salvos esta noite?
Nossos corações languidos de tanto esperar
Espectros imantados de negrume
Temo que a luz possa nos cegar
A Deusa anciã em murmúrios chora
O sol finalmente se foi
E as noites são frias e longas
O clamor de uma criança não nascida
Que aflita no ventre deita
A natureza se esvai em um gélido suspiro
Anunciando o último fruto que cai, a última colheita
Gwynn Ap Nudd  vem nos arrebatar
Do palor desta funesta estação
E em teus braços retornar 
Para o país de verão

 
Tudo o que do sonho transborda
Oníricos campos de rosas
Quintais vastos e imensos
Vitrais livres, suspensos

Suave brisa branca
Que derrama inocência
Imanta as vestes da criança
 E inebria a consciência

Paisagens inundam a vista
O destino em fitas de cetim
Em uma coreografia mística
No balanço desta sinfonia sem fim
 
Múltiplas matizes pulsam brilhantes
Ameno é o respirar do mundo
O trajeto se faz verdejante
Um sentimento nobre e profundo
 
Sento e ouço
A mais genuína canção
Que faz suave o vento
E acalanta o coração

Um sol iluminado pinta o horizonte
Calmo estou para atravessar a ponte
Sei que não estou atrasado
Ao meu redor nascem lagos e jasmins

Uma água límpida molha os meus passos
Sou levado ao ápice do monte
Onde fadas sussurram para mim
E serafins me beijam defronte
Me trazendo para o caminho
O caminho da fonte





Eu te dei meu coração
Estranho
Minha mão, meu sim, meu chão
Me embriaguei nos teus olhos castanhos

Segui teus rastros
E por fim tu se escondeu
Se desprendeu de mim
Assim cortando laços

Sem despedida, sem avisar
Devastando do caminho a vida
Tirou o encanto de chorar
Feito a fúria de um suicida

Pisoteou minha ferida amarga
Transformou meu coração em cratera
Lançou em mim toda a carga
Fugiu para longe feito uma fera

Estranho mítico monstro
Lavado de sacro banho
Irrisório é teu assombro 
Ordinário é teu tamanho





 
 
 
De perto vejo o poço
Vestido de escuridão
Sua podridão, seu lodo
Onde repouso minha mão 

Em carne viva
Minhas unhas sangram
Pelo veneno deste inalcançável fosso
Correntes em volta do meu pescoço

Neste abismo me contorço de dor
Minha pele descola do osso
Desço até o fundo e vejo
Como é imundo o fundo do poço

Frio e pretensioso
Dotado de mistérios
Com larvas, bocas e olhos
Aos quais eu não ouso tocar

Os seus braços deletérios
Este poço é um inferno
Tão difícil de escapar
Com tantas trancas e ferrolhos
 
Temo me machucar ainda mais
O que eu fui se perdeu
A saída aos poucos se desfaz
E o que me sobra agora é desgaste

Derrisão algoz, Ilusão fugaz, desastre
Nesse atroz poço de ser sempre teu





Ela vem em noites tenebrosas
De umbrais esquecidos
Petrificando rosas
No rebento de ventos antigos

Traz pesar em seu dorso
Um clangor envenenado
Para recuperar o velo de ouro
E costurar seu condão devastado

Carrega no olhar a vingança de Medeia
Congelando tudo por onde cruza, Medusa
É a essência primal das musas
O pavor universal das ideias


Se alimenta no desejo
Que abre os supremos portais
Onde se resvala o medo
Atroz é o peso dos seus cristais

Faces ocultas em libração
Seu próprio coração devora
Feiticeira, forasteira
Évora
Volta para a floresta de Theodor




Alma, aquela que anda
E não cansa de se perder
Que ocupa toda a palma
E tem sede de escorrer

Alma, que aos ouvidos reclama
Quando sufocada ao se contorcer
Pois ela jamais se engana
Quer um dia conhecer

 Ela própria come, se cospe e some
Num ultrajante desconforto
Para mudar de forma agora

É que quando a alma sente fome
Quer pular para fora
Pois, não cabe em um só corpo






 A pior dor é nada sentir.


Um lençol manchado de sangue
As luzes da cidade assustam
Esvoaçante, transfigurada,  sufocante
Feito fumaça os carros passam
Sem qualquer direção
Eles se jogam na noite
Turva e amarelada
Pintada de neon
Entre as curvas da estrada

A lua dança em negrume
Queimando freneticamente
O desejo de quem não assume
Das esquinas ainda é perambulante
Perfeitamente estático na surdina
Propício daqueles que não tem costume

A noite este grande museu
Fervendo línguas alucinantes
De fado e vício
Revela o tempo cada vez mais lento
Sem respostas em desperdício

Qual a diferença em se desconhecer?
 Querer viver um segundo ou cem anos
 Pois muitos morrem ao nascer
A grande maioria simbolicamente
Sem sentir gostos diferentes
Sem se sentir, sem ser

Hoje dos olhos verteram lágrimas
Por aqueles que encontraram na fuga
A melhor maneira de não sentir nada
Mesmo assim aquele olhar fatigado encontra beleza
Ao ver tantas rugas desnecessárias em jovens asas


Elevamos o nosso olhar, mas vemos nas mesmas estrelas coisas tão diferentes.

Eu gosto da sombra
Quando ela me assombra
Se ela soma
ou subtrai
Ela mais some do que fica
Quando olho
Ela insone
Eu tento voltar
a me contorcer
Só para ver
O seu lumiar decomposto
Em disparate ela sai
E me deixa solto
Eu sigo resignado e sem condições
Surdo, cego, roto
A mercê das emoções
do que fui um dia
Que já não mais sou
Queimando em agonia
Compensando as pulsações
Ao qual meu olhar não acompanha
A sombra esta íngreme moradia
Que por séculos me fez companhia
Por ter medo de me expor
Mas que aos poucos descama
Solto como o vento
Ao bater alquebrado em minha cama
Pois desacredito
Do lustroso tato maldito
infundado
Do teu malquerer mergulhado
em lama salobra
Que quebra
A vértebra exposta
Profundamente sombra
Aprendi
Hoje me tornei outro




Queríamos reconhecer a verdade,
mas tudo foi encoberto
Pela ambição de um ditador
Nos meandros de um coração frio

Palavras soltas de uma boca dissimulada
Que nos seduzia
A cada dia com um disfarce novo

Um monstro dotado de belos gestos
Que aos poucos nos engolia
Em injustas ordens ele nos dominava

Crescemos resignados
Até o dia em que nos vimos obrigados a lutar
Precisávamos descobrir o segredo

Enfim mais um vez falhamos
E como castigo
 Um infame e triste castigo

Ele nos obrigou a abandonar o seu reino
Fazendo-nos acreditar em mais mentiras,
nos envenenou,
com seu ódio, seu rancor

Por décadas o nosso povo sofreu,
entre sangue e dor
Pensávamos que o seu poder era maior que o nosso,
então nos escondemos por medo
nas frias sombras do vale

Agora precisamos encontrar novamente o elo perdido
Para termos de volta tudo aquilo que do passado nos foi tomado,
e o mais sagrado...
Libertar nossas vidas desvelando o segredo










Sorri para ele morte
Com teus dentes de aço
Por cima do meu cansaço
Lavando todo o descaso
Por não ter fé na vida
Para esconder a culpa
Num enleio de dúvida
Por abandonar a luta
Tuas mãos envolta em escuras luvas estilhaça
Quebra com certa força a taça
Despedaça aquela vil trapaça
Olha com compaixão pelos teus olhos de farpa
A navalha, o golpe,  a faca
O que aos poucos me escapa
Dentre os fios apertados
Arroxeados em volta
Eu já não me importo
Que a dor me conforte
Irradiando luz ao aborto
Em um fino corte

                                                           É primavera no meu jardim
                                                               A emoção mais bela
                                                             Nas vozes dos serafins

                                                               Uma cantoria bonita
                                                               Bordada de calmaria
                                                               Que inunda e abriga

                                                              A rosa mais colorida
                                                            Desabrochou a melodia
                                                          No bálsamo da minha vida

                                                       Em torno do telhado se aninha
                                                               Tão doce de candura
                                                           Em meu peito ergueu casinha

                                                                   Para fazer cura
                                                          Arco-íris no céu despontou
                                                      Levou para longe a amargura
                                                             No horizonte ela deitou

                                                                   Fez dormir...

                                                          A chuva que faz florir
                                                           Traz de volta luz ao dia
                                                       Descobre o mistério de sorrir
                                                    E me enche novamente de alegria




 Navegando no silêncio
Acalmo e contemplo
O mais sublime momento
Fecho meus olhos
Para me alinhar
E devagar o intangível tocar
Sinto aliviar
Deixo passar os pensamentos
Ao se desmanchar escolho
Plantar grãos aos meus pés
Que germinam aos poucos
Gigantescas folhas sopra o vento
Dança a essência mística
Nos racemos da consciência
Purificando de suave almíscar
Despertando inflorescências
Nada mais tenho de meu
O novo ou velho 
Só me resta o mistério
De agora respirar






 O equinócio denota perigo
Armas bélicas
Quando bocas falam
Inalam fumaça caustica
O segredo foi desvelado
Fogo por todos os lados
Desnuda-se da própria carcaça
E não se sabe
Se é homem ou bicho
Sete, oito cabeças
Verberando onomatopeias
Que contradizem seu próprio estado
De rubros braços expostos
Faces em lábios encobertos
Ao qual nem Kafka cogitaria
Em sua mais tórrida quimera
A caixa foi aberta
Alarve a qualquer estrutura
A criatura impele pavor
Aos enigmas teocráticos 
Não binários
A esperança até então intocada
Dança seu balé capenga,
Antropoide





 Me leva para passear
E traz uma rosa
Que exala doçura
E descansa o teu olhar

Me rega junto a flor
Meus espinhos são tua cura
Eu gosto do sabor
Quando aos poucos te perfura

Invadindo meus poros
Minha pele na tua expele
Veneno aos meus olhos
Inebriando o sangue rebelde

Ferveu desejos dormentes
Sucumbiu ao friccionar
Subiu até o altar
Atendeu a promessa latente

E nessa mistura
Ainda posso aguentar
Eu afogo tua agrura
Tu afaga minhas pétalas ao tocar







Vinde, trágica mensageira
Com seus dedos frios
Ao som lúgubre de uma carpideira
Aos poucos da lira tirou os fios

Os seus gritos quebram vidros
Nos sonhos encostou
Sussurrou aos ouvidos
De lágrimas o corpo desenhou

Canta teus segredos
Morrígan lava o que não mudou
Conta o que resta da vida nos dedos
Vem materializar o que há tempos se findou


Por onde andará?
Um risco no asfalto
O coração acelerando à mil
Frio feito estrada esburacada
O vento disse para não retornar

Em que cama ele vai deitar?
A brisa leve da manhã
Onde ele foi parar?
Quem vai acalmar sua sanha?

Nunca é tarde pra partir
Ao anoitecer ele se perde no ar
Preparado pra fugir
Não encontra seu lugar

Ele não tem motivos para sorrir
Passou casas, passou rios
Soltou o freio sem se importar
Ninguém sabe seu paradeiro

Andou com seu cigarro, rebelde, faceiro
Quando um forasteiro promete se consertar?
Dionísio o chama para dançar
Hoje ele não vai voltar








De navegar estou cansado
Minha tristeza quero afogar
Em um derradeiro brado
Nereida vem me ajudar

Quero ver e contemplar
Descansar meus pés nas ondas
E nas espumas me desmanchar
Em meio as pedras redondas

Vem afugentar minha desilusão
Meu barco quero ancorar
Me conduz com tuas mãos
Para em teu reino poder entrar

Seduzido pelo teu cantar
Me levou para a profundeza das águas
Encontrei meu lugar na pureza do teu mar
Desmancha com teu tocar minhas mágoas

Ao entardecer da nossa primavera
Acordei despido na praia de Itamaracá
De longe te vi iluminada, citéria
Contigo um dia hei de casar







A poesia está morta
E tudo o que hoje 
Bate a minha porta
É lamentação

Que escorre
Feito larva de vulcão
Que se encolhe
Em pulsações

De calor e dor
Quando se cansa
De dar tantas voltas
 Se enrosca 

E cai
E quebra 
E corta
Vibra, liberta, esvai

Em noites tortas
De dias desiguais
O que mais importa?
Ela já está morta

Sob o olhar do sol
Designaste ao teu afã
Pintar de ouro os olhos da manhã

Onde a névoa baça se descama
Em desalinho
Como o calor lacerante de uma chama

Protegida entre guardiões
Respira e contempla tua sina
Canta pela última vez tuas canções

Feita a fumaça mágica do incenso
O mais sublime e delicado momento

Ver do céu a noite majestosamente se retirar
Genuína deixa o calor a consumir
E no infinito sumir para deixar o sol brilhar



Na senzala da minha própria alma
Escuto os meus gritos no portão
Sibilante tento encontrar
Este motivo incongruente

As marcas me fizeram dormir
E alinhou
O que a chuva não curou
O que o vento esqueceu

A ventura de viver
De fato
Nunca me encheu os olhos

Mesmo assim vivo?

Queria ter tempo
Mesmo sem saber
Quanto tempo falta
Por que devo crer?


Quem disse que poesia
Precisa de métrica?
É que não sabe a larica
Que feito crack traga o poeta

Em perfeito léxico
Sou algemado
E levo um soco na testa

Feito uma puta que apaga meu cigarro
Aceito com desdém a regra

Dilaçerado
Te digo desaforos
Vendo meus restos
E sou apedrejado

Pedra! Pedra! Pedra!

Afogo meu vício
Sou só pele e osso
E refém das atrozes
Hipérboles do estilo

Sou poeta, usuário ou apenas trafico?








Fazer da mão extensão
Sem mais dizer que não
e sempre ofertar

Deixar a abnegação
Purificar o coração
E nunca envenenar

No mar do silêncio velejo
Para dissipar tudo que vejo
E o desejo abandonar

O desengano do almejo
Não mais esquento ou pelejo
Agora sei esperar



"E roda a melancolia, seu interminável fuso!"
                                   (Cecília Meireles)

Desce lua cheia de pranto
Seu encanto não acalma
De tristeza bordou meu manto
Que pouco tanto cobriu minh'alma

Lua nua que flutua
Ao qual ondula o meu olhar
De uma luz escusa, morna, crua
Metade treva, metade amar

Em tuas cismas me fizeste temporal
Seu desnude é feitiço do céu
Lua, será que já fostes amada?

Tua luz não mais me seduz de solstício teatral
Desenganado de ti arranco-lhe o véu
Lua nefasta, de ti não quero mais nada